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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Introdução à Lingüística Gerativa de Noam Chomsky


A linguística gerativa – ou gerativismo, ou ainda gramática gerativa – é uma
corrente de estudos da ciência da linguagem que teve início nos Estados Unidos, no
final da década de 50, a partir dos trabalhos do lingüista Noam Chomsky, professor do
Instituto de Tecnologia de Massachussets, o MIT. Considera-se o ano de 1957 a data do
nascimento da lingüística gerativa, ano em que Chomsky publicou seu primeiro livro,
Estruturas sintáticas. Trata-se, portanto, de uma linha de pesquisa lingüística que já
possui 50 anos de plena atividade e produtividade. Ao longo desse meio século, o
gerativismo passou por diversas modificações e reformulações, que refletem a
preocupação dos pesquisadores dessa corrente em elaborar um modelo teórico formal,
inspirado na matemática, capaz de descrever e explicar abstratamente o que é e como
funciona a linguagem humana.
A lingüística gerativa foi inicialmente formulada como uma espécie de resposta
e rejeição ao modelo behaviorista de descrição dos fatos da linguagem, modelo esse que
foi dominante na lingüística e nas ciências de uma maneira geral durante toda a primeira
metade do século XX. Para os behavioristas, dentre os quais se destacava o lingüista
norte-americano Leonard Bloomfield, a linguagem humana era interpretada como um
condicionamento social, uma resposta que o organismo humano produzia mediante os
estímulos que recebia da interação social. Essa resposta, a partir da repetição constante emecânica, seria convertida em hábitos, que caracterizariam o comportamento lingüístico
de um falante. Vejamos, por exemplo, como Bloomfield descrevia a maneira pela qual
uma criança aprendia a falar uma língua:

“Cada criança que nasce num grupo social adquire hábitos de
fala e de resposta nos primeiros anos de sua vida. (...) Sob
estimulação variada, a criança repete sons vocais. (...) Alguém,
por exemplo, a mãe, produz, na presença da criança, um som
que se assemelha a uma das sílabas de seu balbucio. Por
exemplo, ela diz doll [boneca]. Quando esses sons chegam aos
ouvidos da criança, seu hábito entra em jogo e ela produz a
sílaba de balbucio mais próxima, da. Dizemos que nesse
momento a criança começa a imitar. (...) A visão e o manuseio
da boneca e a audição e a produção da palavra doll (isto é, da)
ocorrem repetidas vezes em conjunto, até que a criança forma
um hábito. (...) Ela tem agora o uso de uma palavra.”
(Bloomfield, 1933: 29-30)

Para um behaviorista, a linguagem humana é exatamente o que descreveu
Bloomfield: um fenômeno externo ao indivíduo, um sistema de hábitos, gerado como
resposta a estímulos e fixado pela repetição. Numa resenha feita em 1959 sobre o livro
Verbal behavior (Comportamento verbal), escrito por B. F. Skinner, professor da
famosa universidade de Harvard e principal teórico do behaviorismo, Chomsky
apresentou uma radical e impiedosa crítica à visão comportamentalista da linguagem
sustentada pelos behavioristas. Na resenha, Chomsky chamou a atenção para o fato de
um indivíduo humano sempre agir criativamente no uso da linguagem, isto é, a todo
momento, os seres humanos estão construindo frases novas e inéditas, ou seja, jamais
ditas antes pelo próprio falante que as produziu ou por qualquer outro indivíduo.
Por isso, todos os falantes são criativos, desde os analfabetos até os autores dos
clássicos da literatura, já que todos criam infinitamente frases novas, das mais simples e
despretensiosas às mais elaboradas e eruditas. Pensemos, por exemplo, na frase que
acabamos de produzir aqui mesmo neste texto. É muito provável que ela nunca tenha
sido proferida exatamente da maneira como o fizemos, bem como jamais será dita
novamente da mesma forma. Chomsky chegou a afirmar, inclusive, que a criatividade é
o principal aspecto caracterizador do comportamento lingüístico humano, aquilo que
mais fundamentalmente distingue a linguagem humana dos sistemas de comunicação
animal.
De acordo com esse pensamento de Chomsky, se considerarmos a criatividade
como a principal característica da linguagem humana, então devemos abandonar o modelo teórico e metodológico do behaviorismo, já que nele não há espaço para eventos
criativos, pois, para lingüistas como Bloomfield, o comportamento lingüístico de um
indivíduo deve ser interpretado como uma resposta completamente previsível a partir de
um dado estímulo, tal como é possível prever que um cão começará a latir ao ouvir, por
exemplo, o som de uma campainha, caso tenha sido treinado para isso.1 Se o
behaviorismo deve ser abandonado, como de fato foi, após a publicação da resenha de
Chomsky, o gerativismo se apresenta como um modelo capaz de superá-lo e substituílo.
Com as suas idéias, Chomsky revitalizou a concepção racionalista dos estudos
da linguagem, em oposição franca e direta à concepção empiricista de Skinner,
Bloomfield e demais estruturalistas norte-americanos e europeus. Para Chomsky, a
capacidade humana de falar e entender uma língua (pelo menos), isto é, o
comportamento lingüístico dos indivíduos, deve ser compreendido como o resultado de
um dispositivo inato, uma capacidade genética e, portanto, interna ao organismo
humano (e não completamente determinada pelo mundo exterior, como diziam os
behavioristas), a qual deve estar fincada na biologia do cérebro/mente da espécie e é
destinada a constituir a competência lingüística de um falante. Essa disposição inata
para a competência lingüística é o que ficou conhecido como Faculdade da Linguagem.
Há, de fato, muitas evidências de que a linguagem seja uma faculdade natural à
espécie humana. Pensemos, por exemplo, que, excluindo-se os casos patológicos
graves, todos os indivíduos humanos, de todas as raças, em qualquer condição social,
em todas as regiões do planeta e em todos os tempos da história foram e são capazes de
manifestar, ao cabo de alguns anos de vida e sem receber instrução explícita para tanto,
uma competência lingüística – a capacidade natural e inconsciente de produzir e
entender frases. É notável que nenhum outro ser do planeta, a não ser o próprio homem,
é capaz de dominar naturalmente um sistema de linguagem tão complexo como uma
língua natural, mesmo após muitos anos de treinamento. E nem mesmo o mais potente e
arrojado dos computadores modernos é capaz de reproduzir artificialmente os aspectos
mais elementares do comportamento lingüístico de uma criança de menos de 3 anos de
idade, como criar ou compreender uma frase completamente nova.
Não é por outra razão que a Faculdade da Linguagem é a característica mental
mais marcante que separa os humanos dos demais primatas superiores e do resto do
mundo natural. O papel do gerativismo, no seio da lingüística, é constituir um modelo
teórico capaz de descrever e explicar a natureza e o funcionamento dessa Faculdade, o
que significa procurar compreender um dos aspectos mais importantes da mente
humana, como afirmou o próprio Chomsky:

“Uma das razões para estudar a linguagem (exatamente a razão
gerativista) – e para mim, pessoalmente, a mais premente delas
– é a possibilidade instigante de ver a linguagem como um
“espelho do espírito”, como diz a expressão tradicional. Com
isto não quero apenas dizer que os conceitos expressados e as
distinções desenvolvidas no uso normal da linguagem nos
revelam os modelos do pensamento e o universo do “senso
comum” construídos pela mente humana. Mais instigante
ainda, pelo menos para mim, é a possibilidade de descobrir,
através do estudo da linguagem, princípios abstratos que
governam sua estrutura e uso, princípios que são universais por
necessidade biológica e não por simples acidente histórico, e
que decorrem de características mentais da espécie humana”
(Chomsky, 1980: 09)

Com o gerativismo, as línguas deixam de ser interpretadas como um
comportamento socialmente condicionado e passam a ser analisadas como uma uma
faculdade mental natural. A morada da linguagem passa a ser a mente humana.

1. O MODELO TEÓRICO
Naturalmente, apenas postular a existência da Faculdade da Linguagem como
um dispositivo inato que permite aos humanos desenvolver uma competência lingüística
não resolvia todos os problemas da lingüística gerativa. Era (e ainda é) preciso
descrever exatamente como é essa Faculdade, como ela funciona e como é possível que
ela seja geneticamente determinada se as línguas do mundo parecem tão diferentes entre
si. Para dar conta dessa aparente contradição entre a hipótese da Faculdade da
Linguagem e os milhares de línguas existentes no planeta, os lingüistas da corrente
gerativa vêm elaborando teorias que procuram explicar o funcionamento da linguagem
na mente das pessoas. Ao observar os fatos das línguas naturais, um gerativista faz-se
perguntas como:

> o que há em comum entre todas as línguas humanas e de que maneira elas diferem
entre si?

> em que consiste o conhecimento que um indivíduo possui quando é capaz de falar e
compreender uma língua?
> como o indivíduo adquire esse conhecimento?
> de que maneira esse conhecimento é posto em uso pelo indivíduo?
>quais são as sustentações físicas presentes no cérebro/mente que esse conhecimento
recebe?

Para procurar responder perguntas como essas, a lingüística gerativa propõe-se a
analisar a linguagem humana de uma forma matemática e abstrata (formal), que se
afasta bastante do trabalho empírico da gramática tradicional, da lingüística estrutural e
da sociolingüística, e se aproxima da linha interdisciplinar de estudos da mente humana
conhecida como Ciências Cognitivas. A maneira pela qual tais perguntas vêm sendo
respondidas constitui o modelo teórico do gerativismo.
Ao longo dos anos, lingüistas de todas as partes do mundo (inclusive do Brasil,
desde a década de 70) têm trabalhado na formulação e no refinamento do modelo
teórico gerativista. O mais importante deles é o próprio Chomsky, mas existem muitos
estudiosos que dele discordam e acabam formalizando modelos alternativos, que às
vezes divergem crucialmente do modelo chomskyano. Não há qualquer dúvida de que
Chomsky seja não só o criador, mas principalmente o mais influente teórico da
lingüística gerativa – e um dos mais importantes estudiosos da linguagem de todos os
tempos –, no entanto não se deve traçar um sinal de igual entre Chomsky e o
gerativismo. É muito comum encontrarmos gerativistas que não são chomskyanos,
apesar de, quase sempre, ser chomskyano significa ser gerativista. 

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